Começamos este artigo com uma pergunta simples. Já alguma vez pediste um aumento? Se não, porquê?
Pode haver vários motivos para muitos profissionais não verem o seu salário aumentado, mas um deles é certamente o simples facto de nunca o pedirem.
É verdade que todas as empresas procuram melhorar a sua sustentabilidade financeira e portanto os seus lucros, mas, erradamente, muitas empresas não oferecem aumentos automáticos ou espontâneos aos seus trabalhadores.
No entanto, as empresas estão cada vez mais sensíveis para a retenção dos seus trabalhadores, pois sabem que são o seu maior ativo e é cada vez mais difícil encontrar no mercado os profissionais com as qualificações certas para o seu contexto. Também o custo de substituir e formar um profissional com menos senioridade é altamente elevado.
Todos, certamente, já ouvimos alguma história sobre um colega, amigo ou familiar que foi finalmente aumentado porque fez um ultimato “que se ia embora”, ou até a história de alguém que acabou por mudar de emprego porque nunca chegou a confrontar o seu chefe sobre injustiça do seu salário. Ambos são situações extremas que revelam falta de preparação para lidar com este tema. Seguem as nossas dicas para pedir um aumento:
Conseguir um aumento: dá o primeiro passo!
As chefias vivem num constante dilema no equilíbrio entre os interesses da organização, os dos seus sócios/acionistas e os interesses dos trabalhadores. Se, por um lado, uma chefia sabe que tem de investir para ter bons trabalhadores, por outro está obrigado a cumprir um orçamento e por isso limitar os seus custos. Cabe ao trabalhador defender os seus direitos e, sobretudo, saber defender a sua posição, saber qual o valor que acrescenta à organização e qual o salário que considera justo para as funções que desempenha. Mas já vamos aos exemplos concretos. Antes de falarmos do Como, Quando e qual o Valor do pedido de um aumento, é importante clarificar algumas definições-chave:
1. Salário mensal ou anual
Antes de entrares em qualquer discussão salarial, é essencial que esclareças se a conversa é em valores mensais ou anuais, brutos ou líquidos. É importante que todas as partes estejam na mesma página, de modo a evitar possíveis desentendimentos ou confusões. É igualmente importante perceber que um aumento salarial para o trabalhador representa sempre um valor superior para a organização, devido aos impostos e descontos. É por isso que deves saber defender o teu pedido de aumento e, não, o aumento da prestação da casa não é uma justificação válida, porque isso afeta toda a gente, incluindo o teu chefe.
2. Salário bruto versus salário líquido
Visto que muito provavelmente serás tu quem diz quanto é que deveria estar a receber, é crucial teres em consideração o salário bruto e o salário líquido. Utiliza ferramentas online como a Calculadora de salário líquido do Doutor Finanças e o próprio portal das finanças para saber o quanto, em termos líquidos, é que se irá traduzir determinado aumento bruto no teu salário. Dependendo do teu escalão de IRS, a percentagem varia, e isso também poderá afetar o teu salário líquido.
Relembrando: o salário base bruto é aquele que está previsto no contrato de trabalho; já o salário líquido é o que se recebe após os descontos de IRS e Segurança Social (SS).
Por vezes, um contrato de trabalho prevê algumas rubricas que podem estar isentas de IRS, SS, ou ambos, entre elas:
- Seguro de saúde
- Subsídio de alimentação
- Vales Sociais de infância e/ou educação para os filhos
- Passe de transportes públicos
- Plafond de despesas
- Sponsoring das telecomunicações que tens em casa
- Ginásio
- Telemóvel e outros acessórios de telecomunicações
- Etc.
Discutir este tipo de benefícios flexíveis e isentos de impostos com a tua chefia pode ser uma boa forma de compor o teu salário, sem teres de descontar ou pagar mais taxas.
Mas, e que argumentos devo apresentar?
Muitas pessoas apresentam os aumentos no custo de vida como argumento para “precisarem” de aumento. Isto é exatamente o que não deves fazer. Se “a vida está difícil” para ti, também o está para a empresa, e os custos para a mesma também aumentaram, bem como para o teu chefe. O aumento do custo de vida é igual para todos e isso não significa que todos sejam aumentados por consequência.
Deves focar-te, não em porque é que queres ou precisas do aumento, mas sim porque é que o mereces.
Procura responder a cada um destas perguntas e prepara a tua argumentação:
O teu salário atual encontra-se abaixo da média para a tua posição e experiência?
Utiliza ferramentas como a Glassdoor, Teamlyzer ou Reddit para saberes quais são os valores médios dentro da tua área e função. É perfeitamente viável apresentar esta justificação se reunires todos os requisitos, junto de uma performance positiva, claro. Fala com os teus colegas, com os teus pares, ausculta o mercado se for preciso. Podes também perguntá-lo diretamente à tua chefia.
Tens um novo grau académico? Isso é algo que pode ser valorizado pela empresa?
Existem muitas empresas que valorizam a posse de um grau académico. Por exemplo, se desde que entraste na empresa conseguiste terminar a tua licenciatura, mestrado, pós-graduação ou doutoramento, poderá ser um forte reforço na justificação de pedido de aumento salarial. Caso seja algo importante para a empresa, a tua qualificação é sempre um argumento válido para acrescentares valor à organização. Não obstante, para muitas empresas e chefias, certificações e formações específicas, participação em projetos internos ou externos ou qualquer outro tipo de aquisição de conhecimentos e competências são sempre de valorizar e por vezes mais importantes que um grau académico.
Há quanto tempo foi o teu último aumento?
Este tópico nem sempre é consensual, pois há profissionais que alegam que deverás pedir um aumento todos os anos, mas se sofreste uma atualização ou aumento há poucos meses, provavelmente não será a melhor altura para pedir novamente um aumento. Fizeste uma evolução positiva no último ano? Aumentaste a produtividade? Estás mais integrado na equipa e tens tido um contributo cada vez mais impactante nos últimos 12 meses? Então o fator tempo pode ser útil.
Tens feito formações relevantes e valiosas recentemente? Obtiveste alguma certificação técnica?
Consolidar os teus conhecimentos com formações e certificações tem certamente muito peso no teu valor como profissional, especialmente para quem trabalha na área de IT, em que as certificações técnicas são altamente valorizadas. Se desde o teu último aumento ou desde a tua entrada na empresa investiste o teu tempo para te tornares melhor no teu trabalho, deves sem dúvida usar este argumento.
Tens recebido feedback positivo pelos colegas ou pela chefia?
Faz um esforço por te lembrares (aponta, se necessário) de casos específicos onde tenhas recebido feedback particularmente positivo. Este tipo de validação e reconhecimento não são normalmente feitos em vão. Mesmo que o feedback não tenha sido verbalizado, relembra-te dos momentos de sucesso no teu trabalho, aquele problema que resolveste, aquele “fogo” que foste tu a apagar, aquele extra mile que mais ninguém se chegou à frente para fazer a não ser tu.
Tens recebido avaliações regulares positivas?
Ter um track record de avaliações positivas e cumprimento de todos os objetivos é quase um must para dizer “eu mereço um aumento”. Tem isto em consideração. Se o teu desempenho for intocável, então tens contigo um dos argumentos mais fortes.
Tens ido além das expectativas e requisitos das tuas funções?
Se manténs uma postura de fazer apenas o “estritamente necessário” – e tens direito de o fazer – é importante reconhecer que será mais difícil mereceres um aumento. Faz por demonstrar que estás disponível para dar 110%, 120% quando é necessário. Não te esqueças que assinaste um contrato de trabalho e que o valor estipulado foi considerado justo para as tuas funções. Se queres ganhar mais lembra-te que às vezes também é preciso mostrar e fazer mais. Se já fazes mais do que o combinado quando assinaste o contrato, então já tens mais um argumento do teu lado.
És um verdadeiro membro da equipa?
Se és uma pessoa de confiança: trabalhas com vários departamentos, resolves problemas, ajudas as pessoas, és consistente e honesto, então és uma mais-valia para a organização.
Tomas a iniciativa?
Se estás comprometido com o sucesso da empresa, não precisas que te digam o que fazer, tens autonomia e perguntas às pessoas à tua volta como podes ajudar.
Demonstras responsabilidade?
Demonstrar que assumes responsabilidades, mesmo quando a “culpa” do problema não é tua, e que, quando te dão um desafio, o agarras e lhe dás resposta dentro do prazo e com a qualidade esperada, é uma garantia que, ao ser promovido ou aumentado, vais dar um retorno à empresa equivalente a esse mesmo aumento. Colocando-te agora no papel do empregador: se a empresa vai pagar mais, também vai esperar mais, se não acreditar nesse potencial de maior produtividade então será mais difícil fazer a aposta de pagar mais ao colaborador.
Trabalho numa empresa de Outsourcing, e agora?
Se trabalhas numa empresa de outsourcing e estás a prestar serviço a um cliente, então sabes que é uma relação mais complexa. Mas não é por isso que se torna mais difícil pedir e justificar um aumento.
Se a tua empresa de Outsourcing é um mero intermediário e só faz o antiquado “body shopping”, talvez esteja na altura de mudares de ares. Se, por outro lado, a tua empresa de Outsourcing tem um verdadeiro interesse na tua carreira, se te acompanha regularmente, se te destacou um Talent Manager, se te dá as ferramentas necessárias para trabalhar, esforça-se para te dar formação contínua, se tem em atenção a justiça do teu salário relativamente à média do mercado e se faz pressão junto do cliente para pagar mais pelos teus serviços, então tens na tua empresa um parceiro para negociar.
O teu Talent Manager deve ser a primeira pessoa com quem deves confidenciar sobre a tua insatisfação salarial. Essa é a pessoa indicada para te aconselhar e te revelar informações importantes sobre o cliente e que te vão ajudar a negociar, incluindo algumas das dicas que já leste neste artigo. Quanto mais informação partilhares com o teu Talent Manager, mais ferramentas este terá para, em teu nome, incentivar a empresa-cliente a pagar mais.
Também é o Talent Manager, em nome da empresa de Outsourcing, que poderá saber se a empresa tem algum espaço de manobra para alterar a sua margem de lucro, para te aumentar, no caso do cliente não poder fazê-lo neste momento. Tudo isto é um pouco variável, pois haverá empresas que não partilham esse tipo de informação por necessidade de salvaguardar a negociação entre empresas.
Quando pedir o aumento?
Sobre o timing, deves ter em atenção se a empresa vive um momento de crescimento, ou estagnação. Empresas que passem momentos de fragilidade financeira mais dificilmente estarão prontas para distribuir aumentos pela equipa. Por outro lado, se sabes que a empresa bate recordes de faturação e tem um crescimento saudável, podes usar este momento para abordar o assunto.
O momento específico na tua carreira também é importante para saber quando pedir um aumento. Tenta abordar o tema depois de entregar um projeto importante, ou quando a empresa te passa mais responsabilidade; ou no momento da avaliação de desempenho trimestral/semestral/anual. Nestes momentos, a tua chefia direta, para além do teu manager, está a olhar para ti mais individualmente e, portanto, está mais sensível para os teus argumentos.
Quanto pedir?
Se o tema da conversa é pedir um aumento, tens obrigatoriamente de ter um número em mente. O “não” está sempre garantido e precisas de uma base negocial. Tal como pesquisaste para saber se o valor que recebes atualmente é abaixo de mercado ou não, deverás conseguir identificar um valor que faça sentido relativamente à tua posição e experiência. Podes, por exemplo, fazer o exercício com percentagem para chegar a valores concretos. A inflação, por exemplo, é um valor de referência sempre consensual.
DICA: usa este simulador para calcular o custo total para a empresa. É importante também perceberes o impacto financeiro de um aumento para a empresa. É aqui que tens de usar argumentos válidos para a empresa conseguir justificar este custo acrescido.
Como pedir?
Pesquisaste o que tinhas a pesquisar, estás pronto para marcar a conversa!
Aproveita uma reunião de feedback periódica ou marca uma reunião por tua iniciativa. Garante que é uma reunião formal e não apenas uma conversa de corredor ou de café.
Faz o trabalho de casa
Visto que és tu quem, à priori, abordou o tema de aumento, deves fazer o trabalho de casa antes da reunião. Reúne toda a informação necessária que já mencionámos em cima: desde os valores médios de salários no mercado, a resultados que tenhas cumprido e ultrapassado, a feedbacks específicos que tenhas recebido, a comparação com a performance ou salário dos teus colegas, até às formações e certificações que tenhas completado, traz contigo uma lista de todos os teus argumentos (usa exemplos específicos), a tua munição para o aumento.
A contra-proposta
Mesmo depois de apresentares os teus argumentos, e se te dizem que não? Ora, podes sempre apresentar uma contraproposta. Se pediste um aumento de 10% mas só conseguem ir até 5%, porque não negociar para além do salário? Por exemplo:
- Pede que te paguem uma formação/certificação que tens em vista;
- Pede um lugar de estacionamento no escritório;
- Pede um horário mais flexível e trabalhar alguns dias a partir de casa;
- Pede para receber ações da empresa (se a empresa tiver essa estrutura/política);
- Pede um prémio financeiro, que não representa um custo fixo para a empresa;
- Pede um equipamento que te faça falta.
Muitas vezes pensamos apenas no valor monetário e esquecemo-nos de que existem outros benefícios que nos são úteis, que nos podem facilitar a vida (e a conta bancária) e que para a empresa têm um custo mais reduzido e com menos compromisso.
Pedir um aumento não deve ser um bicho de sete cabeças, mas também não deve ser visto como um dado adquirido. Deves ganhar competências de auto-análise constante, saber argumentar, saber o teu valor, estar a par dos comportamentos do mercado e, quando sentires que está na altura de pedir uma atualização do teu salário, estar preparado para apresentar as tuas razões para tal, e consegui-lo.
E agora, um exercício para ti:
- Analisa o teu salário atual e os valores de mercado para a tua posição e experiência.
- Quando foi o teu último aumento?
- Como analisas o teu desempenho até agora? Tens argumentos relacionados com o trabalho para pedir um aumento?
- Se fosses teu chefe, aumentavas-te?
Tira as tuas conclusões e, se fizer sentido, tens neste artigo todas as ferramentas para preparar uma estratégia para um reconhecimento financeiro mais justo.
Tens mais alguma dica sobre este tópico? Uma história de sucesso (ou insucesso) para partilhar? Conta-nos tudo nos comentários ou para diana.pimentel@olisipo.pt .