O mundo tecnológico tem dado muitos e bons passos em frente nos últimos anos, mas a verdade é que o desenvolvimento nunca vem sem percalços. Pensemos nas anti-inovações, nos acidentes, contratempos, e simples más ideias que levaram aos muitos falhanços tecnológicos este ano. Desde farmacêutica mortífera, à queda de mercados de criptomoeda, à quantidade monstruosa de hacks a instituições, ao metaverso, temos muito por explorar.
O progresso cruel da Neuralink
A empresa de desenvolvimento de aparelhos médicos Neuralink de Elon Musk está aparentemente sob investigação federal por potenciais violações aos direitos dos animais, depois de terem sido feitas queixas por empregados da mesma. O relatório menciona que documentos internos e outras fontes indicam que os testes feitos em animais são feitos demasiado rápido, o que causa que os mesmos sofram e morram desnecessariamente.
A empresa, fundada em 2016 tem trabalhado para desenvolver um implante cerebral para restaurar movimento a doentes paralisados, e tratar outras doenças neurológicas.
Baseado em dezenas de documentos da Neuralink e entrevistas com mais de 20 empregados atuais e passados da empresa, o relatório concluiu que a investigação coincide com crescentes queixas de empregados relativamente aos testes em animais da Neuralink, incluindo queixas que a pressão por parte do CEO para acelerar o desenvolvimento dos projetos resultou em experiências falhadas. Os empregados alegam que devido à necessidade de refazer os variados testes que falharam inicialmente (falhas estas que dizem ser evitáveis, não fosse a pressão de resultados rápidos), mais e mais animais têm sido sujeitos a experiências, a maioria fatais.
Documentos indicam que desde 2018, a empresa já matou mais de 1500 animais, incluindo ovelhas, porcos e macacos. Como não são feitos registos do número exato de animais testados e mortos, fontes creem que o número real possa ser ainda maior.
A App portuguesa para identificar contactos de COVID-19 que nunca funcionou
Chegou ao fim a aplicação para smartphone StayAway Covid, lançada em setembro de 2020 para rastreamento dos contactos no âmbito da pandemia. Numa nota disponível no site da aplicação, é visível o aviso sobre a “interrupção da operação do sistema” da aplicação. “Apesar de ainda não ter sido declarado o fim da pandemia de Covid-19, a positiva evolução do padrão epidemiológico da doença em Portugal justifica a interrupção da operação do sistema STAYAWAY COVID”, é possível ler no site.
A aplicação foi desenvolvida pelo INESC TEC. A StayAway Covid recorria à tecnologia Bluetooth para registar os contactos entre pessoas com a aplicação instalada. Na descrição nas lojas de apps era explicado que “uma vez instalada a aplicação, o telemóvel anuncia a sua presença a todos os dispositivos próximos usando identificadores aleatórios que não revelam identidades pessoais.” Era, através desses identificadores, que seria possível saber se os smartphones estiveram próximos, a que distância e durante quanto tempo. No entanto, era preciso que, os casos positivos, tivessem acesso a um código para inserir na app, que comunicaria assim com os outros smartphones que tinham estado por perto.
Enquanto os responsáveis pela app defendiam numa fase inicial que o projeto precisava de ser apoiado, vozes como a Associação D3, dedicada aos direitos digitais, teceu críticas ao projeto, mencionando reservas na área da privacidade. Em comunicado em 2020, a D3 recordou que os pareceres da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e de outras entidades teriam sido “ignorados” no processo de desenvolvimento da app.
As críticas subiram de tom quando António Costa defendeu, em 2020, que a aplicação deveria ser obrigatória. A obrigatoriedade de instalação tinha coimas associadas, que podiam ascender aos 500 euros. A medida dividiu os constitucionalistas e até gerou algum desconforto entre as entidades que participaram no desenvolvimento da aplicação. Com o passar do tempo, a aplicação perdeu fôlego – tanto no propósito como nos números de instalações.
Rui Oliveira, administrador do INESC TEC, indicou que no total, o valor gasto com o desenvolvimento e promoção da aplicação foi de “cerca de 550 mil euros“.
O Hack desastroso à TAP
Como é do conhecimento público, a companhia aérea TAP foi alvo de um ciberataque em 26 de agosto de 2022. O grupo de hackers Ragnar Locker publicou no dia 12 de Setembro dados relativos a 115 mil clientes da TAP, mas dizia ter perto de 1,5 milhões. Depois de várias ameaças, o Grupo de hacker publicou mesmo os 1,5 milhões de dados clientes que dizia ter em sua posse.
A TAP alertou de seguida os clientes afetados pelo ataque informático à companhia, de que esta divulgação “pode aumentar o risco do seu uso ilegítimo”, pedindo atenção a comunicações suspeitas.
A companhia revelou que “foram tomadas de imediato medidas de contenção e remediação para proteger os dados dos clientes”, informando que “os ‘hackers’ publicaram as seguintes categorias de dados em relação a um número limitado de clientes, entre os quais se inclui: nome, nacionalidade, género, morada, e-mail, contacto telefónico, data de registo de cliente e número de passageiro frequente”.
O grupo referiu ainda que, “a coisa mais interessante, é que eles [a TAP] ainda não resolveram as vulnerabilidades na própria rede e este tipo de incidentes pode acontecer outra vez. Por sinal, se alguém precisar de um acesso remoto à TAP Air [sic], avisem-nos”
A publicação dos dados leva a suspeitar/concluir que a TAP não terá pago o resgate pedido pelo grupo de hackers. Além disso, a companhia aérea garante que o plano de contingência foi ativado e a companhia tem estado a trabalhar em articulação com as autoridades com competências nesta matéria.
O METAverso que continua a sangrar dinheiro
Desde o início de 2021, o grupo Meta Platforms Inc. de Mark Zuckerberg já gastou mais de 15 mil milhões de dólares no seu projeto Metaverse. Mas até agora, a empresa ainda não revelou exatamente onde o dinheiro está a ser gasto. Isto continua a suscitar preocupações entre investidores e analistas.
Muitos especialistas do sector receiam que o investimento maciço da Meta possa acabar por ser desperdiçado. “O problema é que gastam o dinheiro e o mantêm em segredo dos investidores, o que pode levar a um desastre”, disse Dan Ives, um analista da Wedbush Securities. “Ives acrescenta: ‘Ainda é uma aposta alta para Zuckerberg e a sua equipa. Por agora, estão a apostar o seu dinheiro no futuro enquanto o seu negócio principal enfrenta enormes desafios”.
Neste momento, a empresa não está a ver quaisquer sinais de acabar com as suas perdas. A empresa relatou um prejuízo de mais de 5 mil milhões de dólares nos primeiros seis meses de 2022. Muitos analistas prevêem que as perdas totais deste ano irão exceder as do ano passado. As ações da Meta também desceram cerca de 65% este ano.
Analista de referência, Mark Zgutowicz estima que pelo menos 60% das perdas dos Reality Labs provêm dos enormes custos de investigação e desenvolvimento necessários para construir um novo mundo virtual. “Até todos usarmos óculos que não nos façam parecer e sentir estranhos, pelo menos de uma perspectiva escalável, não há um verdadeiro metaverso”, disse Zgutowicz. O Quest Pro pode reconhecer expressões faciais e transmiti-las a dispositivos VR para uma experiência imersiva.
Em Dezembro, a Meta anunciou que cerca de 20% dos custos do grupo Meta em 2023 serão focados no Metaverso e no projeto Reality Labs.
A epopeia do Twitter, escrita por Elon Musk
Quando o homem mais rico do mundo (na altura) comprou o Twitter, prometeu acima de tudo restaurar a “liberdade de expressão” na plataforma.
Assim que chegou ao Twitter, com uma dad joke de estremecer (let that sink in, a sério?) Elon Musk despediu a grande maioria do staff da empresa e partilhou os “Twitter files” – mensagens de Slack trocados entre antigos executivos sobre se deveriam banir a conta de Donald Trump, ou bloquear noticias sobre o computador de Hunter Biden. Musk insinuou que o anterior chefe de confiança e segurança do Twitter era secretamente um pedófilo. Restituiu figuras controversas na equipa e anunciou várias novas medidas conforme se ia lembrando delas: paródias são agora proibidas. Nada de links do Instagram. Publicar informação sobre as localizações dos jatos privados de bilionários: nada disso.
Algumas pessoas previram que a tecnologia do Twitter iria eventualmente colapsar devido a todo este stress. Mas o que Musk estava de facto a destruir – violenta e subitamente – eram as regras de interação no website, e dessa maneira, o produto em si. “A verdade essencial de qualquer rede social é que o produto é moderação de conteúdo”, escreveu o jornalista Nilay Patel. “Moderação de conteúdo é o que o Twitter faz – é o que define a experiência de utilizador.”
Os utilizadores da plataforma devem agora decidir se este novo e alterado Twitter é algo que querem. Serão eles a ditar o veredicto final sobre este controlo maníaco de Musk como moderador-chefe. Seis semanas depois de tomar posse da empresa, Musk, numa possível dúvida existencial, pôs o seu reinado sob votação: “deverei afastar-me como chefe do Twitter? Respeitarei os resultados deste inquérito” tweetou a dia 18 de Dezembro.
O resultado? 57.5% responderam que sim, deveria sair, enquanto 42.5% responderam contra a sua saída.
O povo falou. O homem diz que se afastará assim que encontrar um substituto à altura. Que fará na realidade Musk?
A implosão da FTX
Imaginemo-nos num mundo em que se inventam novos tipos de dinheiro, e há quem nos pague, bem, dinheiro verdadeiro, para os obter. Chamemos ao que essas pessoas estão a comprar “Tokens” de criptomoedas. No entanto, visto que há vários tipos de tokens e estes são difíceis de comprar e vender, imaginemos que um empresário cria um mercado de ações privado para poder comercializar estes tokens. Chamemos a isto uma “bolsa de criptomoedas” ou “cryptocurrency exchange”. Como os tokens não têm um valor intrínseco e outras bolsas já foram à falência, teríamos de nos certificar que a nossa era super segura e bem regulamentada.
Este foi o conceito por detrás da FTX Trading, uma bolsa de crypto criada por Sam Bankman-Fried, um jovem de vinte e tal anos que brincava com tecnologia sofisticada, como um “motor de risco automatizado” que verificava de 30 em 30 segundos se quem depositava tinha de facto dinheiro real suficiente para cobrir as suas “apostas” em crypto. Esta tecnologia assegurava uma “transparência completa”.
No entanto, por detrás desta visão perfeita, a FTX parece ser simplesmente um clássico caso de desfalque. De acordo com investigadores americanos, Bankman-Fried pegava no dinheiro dos clientes e usava para comprar casas, fazer donativos para campanhas eleitorais e acumular quantidades gigantescas em tokens de crypto ilíquidos. Em Novembro, tudo desmoronou. John Ray, escolhido para investigar a companhia em falência, disse que a tecnologia da FTX “não era de todo sofisticada”. Nem a suposta fraude: “Trata-se apenas de tirar dinheiro dos clientes e usá-lo para proveito próprio”.
Bankman-Fried, que é graduado do MIT e cujos pais são ambos professores de direito na universidade de Stanford, foi preso nas Bahamas em Dezembro e enfrenta múltiplas acusações de conspiração, fraude e lavagem de dinheiro.
PS: e se o Wolf of Wall Street fosse sobre cripto? Vê este vídeo satírico da autoria de Joma Tech.
A vingança dos fãs sobre a Ticketmaster
You had one job, Ticketmaster.
Em 2022, estávamos certos que já haveria uma forma simples, organizada e transparente de vender bilhetes para concertos, mesmo para grandes eventos que geram enorme antecipação, como a tour mundial de Taylor Swift. Mas o maior vendedor de bilhetes a nível mundial não teve um ano particularmente fácil. As vendas desiquilibraram-se quando o sistema da Ticketmaster “crashou”, deixando milhares de “swifties” completamente furiosos. Pouco tempo depois, na cidade do México, mais de um milhar de fãs de Bad Bunny viram os seus bilhetes rejeitados e considerados falsos devido a uma falha nas máquinas de leitura de bilhetes, fazendo com que o artista acabasse por atuar perante um recinto meio cheio.
O departamento Mexicano de proteção ao consumidor diz que há a possibilidade de processarem a Ticketmaster. No entanto, vários fãs de Taylor Swift anteciparam-se e já puseram o caso em tribunal, alegando que o “desastre de vendas” se deveu às práticas “anticompetitivas” da empresa. A Ticketmaster e a sua empresa-mãe Live National controlam mais de 80% do mercado de vendas de bilhetes nos EUA e a empresa há muito tempo que é escrutinizada por reguladores Antitrust.
Não se trata apenas dos preços elevados dos bilhetes (apesar de um bilhete “normal” para um concerto do tour de Taylor Swift custar cerca de 1000$). De acordo com o economista de Yale Florian Elderer, a falta de concorrência aumenta a probabilidade de erros de emissão de bilhetes. “As alegações contra a Ticketmaster são que a mesma abusa da sua posição dominante no mercado ao não investir o suficiente em websites estáveis e apoio ao cliente”, diz Elderer. “Assim, em vez de causar danos aos consumidores por cobrar preços exorbitantes, a Ticketmaster é acusada de causar danos por providenciar serviços de qualidade inferior – que não aconteceria caso tivesse mais concorrência no mercado”.
A aventura Galactica da Meta
No Outono deste ano, dois modelos de Inteligência Artificial que respondem a questões num modelo de texto fluido e quase humano – foram lançados online para a utilização do público em geral. Apesar de ambos serem semelhantes, a recepção dos utilizadores não poderia ter sido mais diferente.
O modelo vindo da Meta (empresa de Mark Zuckerberg) chamado Galactica, sobreviveu apenas 3 dias antes que uma onda avassaladora de críticas causasse a empresa a desligar o mesmo “da ficha”. A Technology Review decidiu perguntar ao modelo sobrevivente, o ChatGPT da OpenAI (que tem tido uma recepção incrivelmente positiva) para que contasse uma história sobre o que aconteceu. Em baixo fica um printscreen da resposta do ChatGPT, que demorou cerca de 25 segundos a ser escrita:
Apostamos que 2023 nos trará mais avanços tecnológicos incríveis, mas preparamo-nos para os inevitáveis “desastres” que virão certamente de arrasto.
PS: Se ficaste até ao final deste artigo, é porque não queres perder nenhuma novidade no mundo da tecnologia em 2023. Subscreve já à nossa newsletter semanal e segue-nos na tua rede social preferida!