O futuro da tecnologia está além do olho humano

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Passamos uma boa parte do nosso tempo a ler as expressões faciais das pessoas à nossa volta, ainda que involuntariamente. Somos capazes de enviar e interpretar sinais, como um sorriso falso ou uma expressão rígida de desconforto.

Nos últimos tempos, os computadores têm-se tornado incrivelmente bons a interpretar esta complexa forma de comunicação e a reconhecer e identificar rostos humanos. A MIT Technology Review já apontou os sistemas de reconhecimento facial como uma das tecnologias mais revolucionárias de 2017, capaz de afetar toda a economia e política do mundo nos próximos anos.

A tecnologia está a espalhar-se rapidamente na China, especialmente na área da vigilância mas também em termos de conveniência. A tecnologia não é propriamente nova mas só agora se tornou confiável o suficiente para efetuar operações de risco com mais segurança, como transações bancárias.

Na semana passada, a gigante chinesa Alibaba introduziu um sistema de pagamento inovador na cadeia de restauração KFC que já permite deixar a carteira em casa. Para comprar um balde de frango frito basta agora sorrir para um ecrã. O sistema precisa apenas de dois segundos para verificar a identidade da pessoa e consegue identificá-la quer esta esteja com maquilhagem, peruca ou qualquer outro tipo de acessório. O consumidor precisa ainda de introduzir o seu número de telemóvel, como forma de garantir uma segurança extra – não vá existir um sósia nosso do outro lado do mundo.

Quando a notícia surgiu, a pergunta que imediatamente se impôs foi: quão seguro é? A Ant Financial integrou um algoritmo que se certifica que a câmara não está a ser enganada perante uma fotografia ou vídeo (pois é capaz de identificar sombras e outros traços) e assegura que o sistema é, de facto, seguro.

A tecnologia “Smile to Pay” está em fase de testes na cidade de Hangzhou mas a perspectiva é que, se tudo correr bem, será introduzido em muitos mais estabelecimentos nos próximos tempos.

O que podemos esperar desta tecnologia no futuro?

Para já, o reconhecimento facial já ganhou adeptos nas mais variadas áreas, desde o setor bancário à medicina. Hoje, já é possível utilizar o reconhecimento facial para identificar condições médicas, através de traços faciais característicos de certas doenças difíceis de identificar. Também existem campus universitários e escritórios que utilizam esta tecnologia para conceder o acesso às instalações. Estações de comboios e aeroportos também estão a aderir, como a China Southern Airlines, que permite agora aos seus passageiros embarcar no avião sem bilhete. No futuro, poderemos ter câmaras à entrada de lojas para nos apresentar promoções e descontos personalizados.

Esta tecnologia está a ganhar popularidade, até nas áreas mais inesperadas. Por exemplo, já existem cerca de 30 igrejas no mundo que utilizam o software Churchix para controlar a assiduidade dos seus fiéis em eventos religiosos.

Em Macau, cerca de mil caixas multibanco têm instalado o sistema para os portadores de cartões UnionPay. Para já serve apenas para reforçar a confirmação da identidade do portador mas, quem sabe, no futuro poderá ser o único factor de autenticação para levantar dinheiro.

Os benefícios poderão ser extraordinários a nível de segurança: qualquer local com este tipo de tecnologia instalada pode controlar mais facilmente a presença de criminosos, predadores sexuais e até terroristas nas suas instalações. Também pode ser útil para apanhar infratores em flagrante, como esta cidade que identifica os pedestres que tentam atravessar a passadeira no sinal vermelho – a sua foto é então divulgada num ecrã gigante e  ainda têm direito a multa.

Mas ao olharmos para as potencialidades desta tecnologia, também é fácil apercebermo-nos do seu potencial para criar conflitos. Uma câmara apontada à nossa cara poderá revelar muito sobre nós – muitas vezes, mais do que gostaríamos de partilhar.

Investigadores da Universidade de Stanford desenvolveram um software de inteligência artificial que é capaz de prever a orientação sexual de uma pessoa, através de uma simples fotografia do seu rosto. O algoritmo conseguiu identificar se um homem era homossexual 81% das vezes, sendo mais bem-sucedido que o olho humano, que acertou 61% das vezes.

Este uso do reconhecimento facial poderá ser potencialmente perigoso em países e culturas onde a homossexualidade é ilegal e poderá ser utilizada para perseguir e cometer crimes de ódio.

Outras formas de discriminação também poderão ser levadas a cabo, como empregadores a filtrarem os seus candidatos com base na sua etnia e traços de beleza ou inteligência. Até bares noturnos e estádios desportivos poderão impedir a entrada de indivíduos com rostos que revelem uma ameaça de violência.

Os avanços na tecnologia de reconhecimento facial darão às empresas a possibilidade de lucrar com a utilização dos nossos dados biométricos, o que traz à superfície inúmeros problemas a nível de segurança e invasão de privacidade. O Facebook utiliza um programa chamado DeepFace para identificar o nosso rosto em fotos dos nossos amigos (com uma taxa precisão de 97%) e tanto a Alphabet Inc. (da qual a Google é subsidiária) como a Apple já possuem tecnologia similar.

Isto significa estas empresas já estão a reunir este tipo de dados sobre a nossa identidade e poderiam eventualmente vendê-los a outras empresas interessadas. Por exemplo, o Facebook poderia obter fotografias de pessoas que estiverem presentes num evento de exibição de drones e depois utilizar o reconhecimento facial para lhes apresentar anúncios de empresas que comercializam drones.

É aqui que os governos serão obrigados a intervir, sendo que a União Europeia já impôs regulações para proteger os seus cidadãos (que entrarão em vigor já em 2018), ao decretar que a utilização dos dados biométricos de cada indivíduo requerem o seu consentimento directo.

Mas este tema ainda é um “buraco negro” na legislação atual pois será realmente possível impedir que sejamos filmados contra a nossa vontade? E se sim, durante quanto tempo? À medida que os wearable devices ganham popularidade, a nossa privacidade será cada vez mais difícil de controlar. As câmaras estarão constantemente à nossa volta – nos óculos, relógios e roupa daqueles que nos rodeiam.

Estamos perante mais uma revolução tecnológica, capaz de influenciar a natureza das interações sociais do futuro e alterar por completo a forma como comunicamos com as empresas e uns com os outros. A utilização de dispositivos de reconhecimento facial avança de forma inevitável, independentemente dos riscos e benefícios desta tecnologia.

Serão estes sistemas realmente seguros? E, em caso de ataque informático, quão graves serão as suas consequências para os utilizadores? Estas são algumas perguntas que apenas terão resposta no futuro, mas uma é coisa é certa: os sistemas de reconhecimento facial vieram para ficar e não vale a pena fazer cara de poucos amigos porque a mudança vem aí.

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