Um programador, tal como qualquer outro profissional, pode, a dada altura, dar consigo a imaginar como era desempenhado o seu trabalho há uns quantos anos. Será que a energia era gerada através de burros a puxar carroças? Hamsters em rodinhas? quantas linguagens existiam? quão rápidos eram os computadores? Demos por nós a imaginar como seria programar há 30 anos.
Poderíamos provavelmente dizer que quase tudo sofreu alterações no mundo das tecnologias de informação, mas algumas mudanças são mais importantes que outras.
A utilização da Internet aumentou significativamente.
Desde 0.1% da população em 1992 a 59.9% em 2022, a grande maioria de nós não sabe viver nem trabalhar sem a internet. E de 27.3% em 2005 a 40.1% em 2019, também os computadores pessoais aumentaram consideravelmente.
O verbo “googlar” ainda não tinha sido inventado.
Não havia Stack Overflow. Não era possível pesquisar online e em segundos ter acesso às respostas de dezenas de outras pessoas que passaram pela mesma situação que nós. Havia manuais. Em papel. Era necessário sentarmo-nos e lermos um manual de uma ponta à outra, por vezes passava-se a primeira semana de um novo emprego nessa tarefa monótona. Depois todo esse papel ficava nas estantes, pronto a ser consultado sempre que necessário. Tínhamos de ser muito mais dependentes da nossa própria desenvoltura e desembaraço.
Open-source é um novo modelo de negócio.
O Open-source descreve um approach de como o software é criado e licenciado. Esta metodologia ajuda empresas e indivíduos a criar código, disponibilizar o software a outros e gerir os seus projetos ao longo do tempo, a uma escala anteriormente impensável. O open-source democratiza a inovação, onde todos podem começar a criar e a inovar software de uma forma mais colaborativa e eficiente. Esta expansão foi acompanhada por desenvolvimentos de mercado tais como empresas procurarem financiamento de capital de risco (venture capital funding) para financiar os seus projetos, ao lançamento de mais serviços de cloud, para que esses trabalhos mencionados anteriormente cheguem até mais developers. Uma autêntica bola de neve da inovação.
Tínhamos mais paciência e esperar pela máquina fazia parte do processo
É difícil imaginar ou relembrar o quão lento era um Intel 80386 de 25Mhz com 8Mb (sim, não são gigas) de RAM.
Havia muito menos ferramentas do que temos hoje em dia.
Era possível programar apenas em FORTRAN e C utilizando toolchains relativamente simples, quando hoje em dia há que saber navegar todo um oceano de JavaScript e web frameworks, uma míriade de pequenas ferramentas no campo de front-end, temos Java com todo o seu ambiente complicado de Spring, JSF, Hibernate, etc., ainda mais Docker, Kubernetes, AWS, Azure, linguagens como Clojure, D, Dart, Elixir, Elm, F#, Go, Haskell, Julia, Kotlin, Lua, OCaml, Rust, Scala, TypeScript e muitos mais debaixo da superfície.
Basicamente, programar era mais simples. Uma das grandes vantagens de programar há 30 + anos é que até os maiores sistemas da altura não eram tão sofisticados que uma pessoa sozinha não conseguisse compreender minimamente, até ao surgimento do Windows 95 e do início da internet. Tudo isso começou a desmoronar a partir daí, e agora existem tantas camadas abstratas que é necessário escolher um caminho por onde enveredar, não é possível especializarmo-nos em tudo.
Era necessário prestar mais atenção a considerações de performance quando programávamos.
Não tínhamos acesso a processadores GHz multi-core e vários gigas de memória, não tínhamos discos de memória vastos e rápidos, não tínhamos Gigabit Ethernet. Hoje, o nosso hardware é tão rápido e potente, que qualquer software funciona sem problemas. É por isso que Java, Python, JavaScript, Ruby, Perl, PHP, R, Lisp, Smalltalk, etc. correm todos lindamente, e assim, o C++ deixou de ser a linguagem predominante como era nos anos 90.
Nessa altura, os Sistemas Operativos como o MS-DOS, Windows 95 e Macintosh “crashavam” com frequência. Escrever aplicações estáveis e fiáveis era um grande desafio. Hoje, temos o Windows 11, macOS e Linux, apesar dos SO’s mobile ainda apresentarem algumas falhas.
A produção e distribuição de software eram demoradas
E caras. Não era exequível produzir uma versão semi-acabada de um programa, e depois simplesmente corrigir as falhas com um simples update de software online. Era necessário testar exaustivamente, o que também tornava o processo de explicar à chefia porque é que testar era tão importante: pois caso não fosse bem feito, podia custar milhões à empresa.
O “nerd” – um estereótipo eterno
Nos anos 90, não te tornavas programador para enriquecer, mas sim porque eras brilhante e meio “nerdy”. Não existiam “bootcamps” de programação, todos os teus colegas tinham uma licenciatura de 4 anos, normalmente em ciências de computação. Não que isso fosse necessariamente uma vantagem em comparação, mas era sem dúvida um grupo mais homogéneo de profissionais. Comparativamente, hoje em dia as barreiras de entrada na área de TI são drasticamente menores.
Ao mesmo tempo, havia um status inerente à profissão
Os programadores ainda eram vistos como engenheiros altamente profissionalizados, eram considerados raros e valiosos, ainda mais do que hoje em dia. O mito “10x developer” ainda não havia sido inventado. Já eras uma pessoa “10x” simplesmente por seres um programador. Agora, a função disseminou-se pelo mundo fora e isso também quer dizer que essas pessoas já não são tratadas como sendo tão raras e especiais, apesar de ser uma profissão bastante bem paga.
Um programador com 20 anos de experiência valia muito mais do que um com 2 anos de experiência, quando hoje em dia já não é bem assim, precisamente porque evolui tudo tão depressa, que ser um “dinossauro” programador já não compensa assim tanto.
O fenómeno do desaparecimento das mulheres em TI
Havia muito mais mulheres a trabalhar na área das TI e da programação. É estranho pensar que isso se reverteu quando nas últimas décadas tanto se lutou pelos direitos femininos, mas a realidade é que muitos dos pioneiros na área – as pessoas que programaram os primeiros computadores digitais – foram mulheres. Durante décadas, o número de mulheres a estudar computação crescia mais rapidamente que o número de homens. Mas, em 1984, algo mudou. Essa percentagem estagnou, e depois caiu a pique, mesmo quando o número de mulheres em outras áreas técnicas e profissionais continuou a aumentar. Não há uma resposta clara e definitiva, mas há um facto muito importante a considerar (entre outros): este declínio começou quando o número de computadores pessoais em residências nos estados unidos aumentou. Estes primeiros computadores eram pouco mais que brinquedos. Permitiam primeiramente jogar e talvez um pouco de processamento de texto. E o público-alvo do marketing destes computadores eram obviamente os homens e rapazes.
A invenção do teletrabalho
Não havia um teletrabalho conforme o conhecemos hoje em dia. Trabalhar a partir de casa significava copiar todo o teu software e trazê-lo contigo para casa, ou literalmente pegar no computador e colocá-lo na mala do carro. Não havia DSL, nem modems, muito menos fibra. Uma linha T1 corria 1.4Mbps e custava cerca de 1.100$USD por mês, o que estava bem acima das possibilidades dos comuns mortais.
Apesar de tudo o que mudou nas últimas décadas, há sempre coisas que nunca mudam: os programadores continuam a divergir em opiniões sobre como implementar as suas ideias e soluções, o que mantém a “chama” e o desafio mais vivos do que nunca. A inovação e a concorrência estão mais fortes que nunca. O céu é o limite.